domingo, agosto 22, 2010

Cândida
Às vezes, tenho por mim em terra insólita, ilha incansavelmente assediada pelas vagas de um mar morto, profundo e inculto que, se não violento, assola por misterioso hábito o penedo mais seguro. Mais raramente, vê-se surgir um fanal, cuja poderosa luz direcionada para o alto parece nos conduzir o pensamento a peculiares virtudes. Segui aquela luz que por um instante resgatava-me da influência fastidiosa do burburinho secular e me deixei, fausto, em saudoso assento. Os personagens eram apresentados pela voz impostada de um empertigado jovem inglês, conforme se concluía pensar, a quem condescendia verdade em cada palavra, pois era naquilo que eu nutria fé, a despeito de um refletor que caiu diante do comentário afoito, treinado às custas da ilusória perfeição televisiva. Confesso, e sem algum pudor, que, até aquele momento, de Bernard Shaw só conhecia esparsas anotações biográficas, colhidas, aliás, em fontes de reputação duvidosa. Extasiado, presenciava, a cada fala articulada por aqueles atores notáveis, a perspicácia invulgar que sugere a verdade sem dela reclamar posse. Era o gênio, a mãe quem se utiliza da astúcia e de simulacros pueris para alimentar o filho rebelde. Assim, era nutrido, e dissecado com cada personagem, num jogo em que importa a maior quantidade de virtudes e defeitos identificados e, finalmente, assumidos; pois aí, e não por acaso, identificamo-nos com esse ou aquele autor, como a esse ou aquele terapeuta. Cheguei a pensar a platéia em descomunal divã, se bem que rindo, rindo muito, talvez, de si mesma.

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