terça-feira, outubro 27, 2009

Evolução e arte
Curioso notar que as pessoas, se não bem conhecem com firmes convicções, ao menos suspeitam as artes refinadas e as práticas virtuosas. Nunca presenciei alguém pedir que retirasse o Bach executado em ambiente qualquer. Não diante de outros e se fazer revelar rude. As pessoas pressentem o que seja arte, percebem o poder arrebatador da grande arte e sua importância, ainda que de forma intuitiva. Também não há como escusar ignorância ante as informações veiculadas diuturnamente, nos mais diversos meios de comunicação e mídias que pretendem mesmo a interatividade. Pois, então, o que faz o homem paralisar, teimar na apreciação e envolvimento com manifestações rasas ou primitivas que ainda molestam a humanidade? A evolução não se opera em saltos, é de se compreender; ainda que se insista na manutenção, no repouso insensível ao progresso humano que caminha, queiram ou não, à depuração moral. É questão de tempo e paciência.

segunda-feira, outubro 12, 2009

O estranho
Lá está ele de braços estendidos e imóvel, tal qual o vi esta manhã. Acredito não tenha mexido um músculo até então, a despeito do sol implacável, o que é impressionante. Aparentemente não sente dor, é o que digo. Outro dia vi um ser consumido pelo fogo quando alvejado por um raio em meio à tempestade que principiava. Não ouvi queixa alguma, senão o crepitar do fogo que o tomou rapidamente, quando, enfim, tombou inerte sob fagulhas quais moscas incandescentes. Acha que exagero? Pois veja você mesmo. Observe: não parece se importar com coisa alguma, a esperar de braços abertos não sei se amistoso ou ameaçador. Hirto e sólido, conquanto o olhar suspenso numa insondável e desolada impressão. Estaria a deliberar o extraordinário? Fosse o olhar menos alheado o diria sorrateiro e até perigoso. Mas por desconhecer, fico com a cautela que de lá me inspira.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Profecia anacrônica
Templos são erigidos para arrebanhamento de “vítimas” adeptas à autopiedade, pretensamente protegidas na casa paterna, imunes às misérias que assediam os homens. Faz supor ingênua disposição à crença ancestral que professa o povo escolhido, uma degenerescência das faculdades intelectivas e morais, tributária da arrogância que ilude o mais simplório dos homens.

domingo, janeiro 18, 2009

Retorno, enfim, à aridez do centro-oeste brasileiro, sítio de atmosfera sensivelmente mais densa que o litoral, quase sempre fuliginosa, livre de umidade, a nos irritar os olhos e a nos fazer partir os lábios num sorriso doloroso. Do tópico ao atópico como diria Bachelard, mas quem sou eu para me opor, vez livre e diante do universo de experiências e oportunidades peculiares. E se aqui nada me falta, não fosse o mar e as práticas de espontânea cordialidade, impossíveis à abstração! Todavia, eis também aqui grande ensejo à desintegração do “lugar”, do leito natal ao que nos vinculamos afetivamente à guisa de norte ou reserva energética. Eis que fora não pertenço a outro local senão à lembrança mais e mais remota, que se confunde com a própria existência. O lugar, assim, instala-se sutilmente nos recônditos da memória que nos habita, de modo a sermos, nós exilados, nosso próprio lar, alheios às raízes topográficas e cada vez mais próximos de uma pátria universal.