sábado, novembro 04, 2006

Ângela
Onde há certeza a dúvida paira disfarçada de súbita alegria. Vi Ângela anoitecer ao meu lado e, por um instante, era muito certo que a amava.
O ar-condicionado do apartamento vizinho vencia o aparente silêncio. Era um som contínuo que suavizava o temor da solidão. Enquanto ali soasse, contínuo, saberia que, bem próximo, alguém jaz.
Ângela jamais me disse amar. Algum receio quis estar entre mim e ela, é verdade, Ângela não deixou. Sufocou-o com hálito de promessa etílica.
Ângela dorme tão bem que assusta. Como alguém pode dormir tão perfeitamente?! Sua respiração é de uma tranqüilidade imune à minha presença, agora, nula.
Deixo Ângela sozinha para que resplandeça. Ângela só, iluminada; nunca vi ninguém assim e agradeço aos céus por ser o último a amá-la.
Ângela, quase não a ouço.
O ar-condicionado ressoa imenso, embora a distância; e o vizinho será que nos ouve? Lembra-se dele, Ângela? Agora, não mais.
O silêncio da cidade gotejada de carros na avenida. Posso mesmo te escutar por dentro.
O silêncio é a morte, Ângela. Mas você está aqui, ao meu lado, e lá fora os carros... Não estamos sós, percebe?
Descanse em paz, meu amor.

sábado, outubro 21, 2006

Reencontro
Passamos pelos etílicos sem repousar os olhos nas garrafas que nos acenavam das prateleiras. Sabíamos o quanto eram persuasivas e tanto mais se a idade pesasse em rótulos já ásperos de esperar. Passamos, assim, sem arriscar às tentações que tomavam a atmosfera com sutil odor. “Etílico”, disse pensando imediatamente em Poe, talvez pelo célebre conto em cuja trama o vinho era pretexto. M. sugeriu o suco, ou foi C., não sei bem ao certo. Havíamos saciado a fome com alguns sanduíches de modo que o suco surgia como uma extravagância, uma celebração à inusitada amizade confirmada, então, pelo consenso: suco de maçã.
Encontrei M. na livraria. Era mais um dia como qualquer outro, ou seja, de modorra e resignação, suavizado pelo instinto de auto-preservação que tolera a vida sem explicações. Não obstante a cautela, encontramo-nos no dia seguinte. Fui apresentado a C. que manteve sobre mim um olhar perscrutador de quem perquire à alma o que se passa. E como não! Todos reagem assim a um estranho, a alguém que há pouco não houvera notícias senão pela promessa do acaso. C. tinha um ar de cigana romena, daquelas que sem maiores cerimônias buscam nas linhas das mãos as indiscrições da vida. Confesso que não temi, muito embora. Sentia-me mesmo à vontade, e não apenas com C., quem me inspirava confiança, mas com M., por quem já tinha estima. Por um instante pensei em negar tudo aquilo e recorrer à segurança anônima. Mas como poderia fazê-lo sem enfrentar o contentamento que surpreendia em meu íntimo? Deixei estar, pois, temendo os revezes da ingratidão.

sábado, outubro 14, 2006

Súplica
Preciso que alguém me diga
onde posso me achar
lugar tão distante esse
nunca chego
nem sinal
apenas escuridão.

Oi? Alguém aí?
Suplico... nada.
Será terra de Prometeu?
Duvido
Será o Paraíso?
Acredito
E assim durmo
Perdida nas esperanças ainda
ou não...
quem vai saber?
Quem?

A porta... abro de madrugada
Como uma saída
Ansiosa pelo frio
“Cuidado com a Morte”
sussurros que me povoam
corro
dessa vez chegarei
dessa vez lágrimas não haverá
sou guiada
e para trás... a porta.

Fermina Daza

quinta-feira, outubro 12, 2006

Sartre, olhe para mim!

"Mas veja, não sou mais eu, não sou mais o mesmo." O projeto que se esboça em mente segue um norte surpreendente porque novo. Algo já anunciava esse inevitável encontro ou enfrentamento, "A gente tem necessidade de desafiar o que nos contesta." Mas ao premeditado, prevelece a novidade.

sábado, outubro 07, 2006

Je recommande

Deux enfants d’exilés, Naïma et Zano traversent la vie sans horizon, ne cherchant que le plaisir immédiat souvent brutal et toujours éphémère. Entre eux le sexe est âpre, le lien sans concession. Ce sont deux exilés dans leur propre ville et plus encore dans leur propre existence. Ils décident de filer droit vers le Sud : le sud de la France, l’Andalousie, le Maros, l’Algérie – terre où se mêlent leurs origines lointaines. Rythmé par les battements du cœur et de la musique, au hasard des lieux et des rencontres, ce voyage les réconciliera avec les autres et peut être aussi ave eux-mêmes.










Você é lembrança recente, que ainda não decantou nas profundezas da memória, o que faz de você quase real.


Intimidade

"Há vários motivos para não amar um pessoa e um só para amá-la; este prevalece."

Se uma nota valesse epígrafe, dedicaria esta ao dia que registro, desde o nascedouro. À atmosfera de excelentes ares assomam-se uns cheiros romanescos, umas músicas que acariciam o espírito. Quis registrar tudo em super-oito: o passeio, os sorrisos, os acanhamentos, o estender das mãos para chamar o ônibus. Tenho as cenas de um amadorismo incrível; a sincronia inconstante, as impurezas que dão autenticidade, o cépia que pede distância. E tudo urdido com amor, o que é bastante.
Por que o amor nos deixa tão leves? Talvez seja antes uma condição que um efeito. Talvez a intimidade que requer tal estado faça-nos despojados dos medos, dos temores que mais das vezes nos entorpece à vida.
...
A lucidez de um romântico pode ser loucura em versos. Que se me deixem os versos, pois, se não na forma, nas idéias.

quinta-feira, setembro 28, 2006

1964

I

Ya no es mágico el mundo. Te han dejado.
Ya no compartirás la clara luna
Ni los lentos jardines. Ya no hay una
Luna que no sea espejo del pasado,
Cristal de soledad, sol de agonías
Adiós las mutuas manos y las sienes
Que acercaba el amor. Hoy sólo tienes
La fiel memoria y los desiertos días.
Nadie pierde (repites vanamente)
Sino lo que no tiene y no ha tenido
Nunca, pero no basta ser valiente
Para aprender el arte del olvido
Un símbolo, una rosa, te desgarra
Y te puede matar una guitarra.


II

Ya no seré feliz. Tal vez no importa.
Hay tantas otras cosas en el mundo;
Un instante cualquiera es más profundo
Y diverso que el mar. La vida es corta
Y aunque las horas son tan largas, una
Oscura maravilla nos acecha,
La muerte, ese otro mar, esa otra flecha
Que nos libra del sol y de la luna
Y del amor. La dicha que me diste
Y me quitaste debe ser borrada;
Lo que era todo tiene que ser nada.
Sólo me queda el goce de estar triste,
Esa vana costumbre que me inclina
Al Sur, a cierta puerta, a cierta esquina.

Jorge Luis Borges

quinta-feira, setembro 21, 2006

sexta-feira, setembro 15, 2006














Procurava um lugar onde pudesse me deixar com a língua, longe de tudo para tudo sentir e esperimentar cada palavra sem os pudores da verdade.