domingo, maio 04, 2008

Quando a viu pela primeira vez, pressentiu o inevitável: jamais a esqueceria. A música, agora distante, conduzia sua entrada qual a melhor cena do filme preferido, sempre disposta à atenção mais dedicada, posto tão próxima de perfeições. Preencheu, assim, todo o espaço de uma festa que não era pra ela, senão pelo fato de que, diante dos que ali estavam, resplandecia. Ao pressentir iminente perigo, ele fechou os olhos numa tentativa de fuga vã, diga-se, ao perceber finalmente que já a trazia indelével na idéia mais simples. Ela era uma música, era um filme, inefável e aparentemente real. Quis vê-la sorrir, dançar, discutir, dançar novamente, brigar, comer sucrilhos matinais, pagar contas no caixa eletrônico. Apavorado, saltou janela afora. No outro lado, ela o esperava.

sábado, maio 03, 2008


Um filme bacana
(porque recomendar é muito perigoso)

Seleção Balzac de intrigas, maledicências, frustrações e patologias triviais de uma comédia humaníssima, não fosse, é claro, Nicole Kidman, o sol que brilha mas não arde e a maresia que insiste verde e sutil.

sábado, fevereiro 16, 2008


A sanidade depende de um lapso de memória: esquecer que a vida é breve.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Avant que j'oublie
Tudo começou com uma música. Era uma manhã fria e a vi atravessar a rua com decidida pressa. Também escutava seu mp3 e, a julgar pelo ritmo de seus passos, não descartei a possibilidade de compartilharmos a mesmo pós-punk, num desses eventos de ordinária coincidência. Parecia se incomodar com o vento gélido, comprimindo os olhos já pequenos. Fora isso, desfilava uma ausência imune ao solo sobre o qual pisava. O ônibus se aproximava enquanto corríamos em sua direção, em sincronia de ímpeto e esforço indene. Senti o perfume que surgia qual hálito denunciador de um zelo peculiar, diverso de tudo quanto já havia experimentado, posto o olfato era o de menos. Era um perfume que me conduzia a uma displicência dos sentidos, a ponto de perder o rumo, atônito e entorpecido. Pensava vê-la ao sentir o vento frio cuja direção era insinuada por seus cabelos indóceis – imaginei imerso em cogitações. No ônibus, era ela inteira e só. Aproximei-me e Deus sabe porque não lhe dirigi tolice alguma, imaginando qualquer indulgência de seus lábios entreabertos. Estava ao seu lado. O ônibus abafado e cheio era realidade remota, cujo tempo assombrava um fim. Deveria dizer-lhe algo, se ao menos pudesse oferecer o assento... Quis ouvi-la. Tirei meus headphones e me aproximei. Ela ouvia um samba.