sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Avant que j'oublie
Tudo começou com uma música. Era uma manhã fria e a vi atravessar a rua com decidida pressa. Também escutava seu mp3 e, a julgar pelo ritmo de seus passos, não descartei a possibilidade de compartilharmos a mesmo pós-punk, num desses eventos de ordinária coincidência. Parecia se incomodar com o vento gélido, comprimindo os olhos já pequenos. Fora isso, desfilava uma ausência imune ao solo sobre o qual pisava. O ônibus se aproximava enquanto corríamos em sua direção, em sincronia de ímpeto e esforço indene. Senti o perfume que surgia qual hálito denunciador de um zelo peculiar, diverso de tudo quanto já havia experimentado, posto o olfato era o de menos. Era um perfume que me conduzia a uma displicência dos sentidos, a ponto de perder o rumo, atônito e entorpecido. Pensava vê-la ao sentir o vento frio cuja direção era insinuada por seus cabelos indóceis – imaginei imerso em cogitações. No ônibus, era ela inteira e só. Aproximei-me e Deus sabe porque não lhe dirigi tolice alguma, imaginando qualquer indulgência de seus lábios entreabertos. Estava ao seu lado. O ônibus abafado e cheio era realidade remota, cujo tempo assombrava um fim. Deveria dizer-lhe algo, se ao menos pudesse oferecer o assento... Quis ouvi-la. Tirei meus headphones e me aproximei. Ela ouvia um samba.

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