quarta-feira, julho 28, 2010

Stella
Já se foram alguns anos e hoje percebo o tempo que passa solene e indiferente às minhas urgências. Não mais o negligencio, não como outrora, de modo raciono as horas com os atalhos da experiência.
Ontem mesmo, fui à locadora, sim, ainda alugo filmes, e dentre estes me chegaram às mãos o anglo-australiano Sherlock Holmes, de Guy Ritchie, e outro, agora francês, Stella, de Sylvie Verheyde. Detive-me por algum minuto e, servindo-me do mencionado critério de valorização do tempo, levei o último. Julguei a melhor escolha e, precipitando um veredicto que dispensa melhor avaliação, calculo insuperável. Stella é uma narrativa sobre descobertas, e aqui sob o prisma extraordinariamente lúcido de uma garota que, aos 11 anos, surpreende com a inteligência de si mesma. Ela se reconhece diferente dos outros – princípio para o autoconhecimento –, preferindo a distância vigilante ao movimento gregário primitivo que remonta das agremiações convencionais aos remotos coacervados. Não que eu acredite seja o homem destinado à solidão, absolutamente, porquanto a entenda qual estágio natural, por mais dorido, que precede a consciência, primeiramente de si, para só então integrar-se ao todo.
Mas voltando à história de descobertas que sempre envolvem escolhas, há algo que chamo a atenção quanto a estas, as escolhas que se impõem com maior ou menor força no curso da existência, e aqui, nas vidas de Stella, e de suas amigas, Gladys e Geneviève. Stella é quem, sem dúvida, experimenta as decisões que precedem as mudanças mais importantes. Filha de pais boêmios e vivendo em cima de um bar na periferia parisiense, tem a oportunidade de estudar em um liceu conceituado, onde faz amizade com Gladys, primeira aluna da classe, filha de intelectuais, leitora de Balzac e de Coqueteau. Gladys, como dizem os mais velhos, estaria de “vida ganha”, haja todos os recursos e circunstâncias favoráveis ao seu progresso. Diversamente, Geneviève, quem, não bastasse a sorte de pais alcoólatras e desempregados, de um irmão aleijado e outra retardada, sofre o anátema infligido pelo preconceito miserável e desumano dos moradores de seu pequeno vilarejo. Entre as duas, Stella a contemplar a glória e a derrota, conquanto ainda não influam em sua infância os juízos que elegem as conveniências ocas em detrimento à afinidade de coeur. E é com a celebração dessa afinidade, dessa sintonia expressa em amizade fiel, que o filme vai encerrando, numa cena de confessa nostalgia, à maneira das reminiscências fundamentais que o tempo tenta, mas não apaga.

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