sexta-feira, julho 23, 2010

Ontem, ao terminar uma leitura de Édipo Rei, talvez a obra mais conhecida de Sófocles (496 a C.-406 aC.), não pude me deter em pensar naqueles desmemoriados que se precipitam a eleger o passado como a melhor época, tempo imune aos problemas que hoje pululam e afligem o pior dos momentos. Parece algo natural a todas as pessoas, não só às que gozam de uma velhice corrompida pela degenerescência senil, mas o jovem diante da geração sucessora também se faz ressentir, e arrisca as mais levianas comparações. Esquecidos? Talvez sim, esquecidos de sua própria história, mas, principalmente, ignorantes dos percalços sofridos pela humanidade ao longo de sua trajetória (evolutiva), no decorrer de nem tão longínquos 100 mil anos. Vide Édipo, rei de Tebas, que ao descobrir o equívoco que o fez matar seu pai e desposar sua mãe, desesperou-se a ponto de aniquilar os próprios olhos, na esperança de não mais divisar o opróbrio terrível. História grave que, no entanto, não nos surpreenderia, hoje, em algum jornal ordinário na banca da esquina. E mais uma vez ouviríamos o velho resmungo saudosista de reverência a um passado recortado, uma metonímia de razões inventadas, pois a existência é mesmo uma invenção, não apenas individual, mas também coletiva. Enxergamos o que queremos, seja por esforço e pela busca do conhecimento que revela, seja pelo comodismo que se contenta com as ofertas triviais e condicionantes.
Quantos se fazem cegos, à cópia do rei tebano, para não arrostarem o horror da própria imagen! Quantos, cansados de si ou adivinhando o pior que o orgulho refuga, não fecham os olhos para a análise fecunda e habilitadora de seu “eu” mais íntimo, e por isso arredio, ao passo que preferem tatear na escuridão inconsciente os recantos macios do repouso imerecido.
A essa altura, a lembrança oportuna da parábola dos cegos, expressada com incomum fidelidade nas tintas de Brueghel, surge à maneira de profecia que, infalível, alcança o tempo naturalmente inclinado à fuga. O passado pertence a Édipo, ao incorrigível, e o presente aos dramas do agora. Entre este e aquele, pois, o barranco insidioso nos espera distraídos.


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