sábado, junho 18, 2011

O filósofo
Todas as tardes, recolhia-se no pequeno escritório apinhado de livros dispostos à sorte do tempo já frouxo de zelo. Abria a janela e, sob a luz suave de uma primavera amena, sorria um sorriso livre de sentido, quase triste, ao reler aleatoriamente um trecho de o Ser e o Tempo. Todas as tardes, ao sussurro de remota sonata, sofria do nada evocado no acaso solitário e recorrente. Se bem que a angústia o encorajava, era a força e a razão para ser amanhã e amanhã, não obstante a morte intransponível porque certa. Bem assim, deixava-se absorto a ponderar um céu azul, e já fora de si experimentava o êxtase de não ser!
À noite, conquanto amena e primaveril, morreu sem o saber.
Todas as tardes, o Universo, saudoso, batia à sua janela, agora invariavelmente cerrada.

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